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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Vereadores de SP aprovam “dia do orgulho hétero” e acendem o debate

Por Juliana Sada
A Câmara de Vereadores paulistana aprovou ontem (2) o “dia do orgulho heterossexual”. O projeto é do vereador Carlos Apolinário (DEM). O parlamentar declarou que o projeto é uma maneira de se manifestar contra o que ele considera “excessos e privilégios” da comunidade gay.
O texto, que ainda deve passar por sanção do prefeito Gilberto Kassab, afirma que caberá à prefeitura “conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes”. A data fixada para marcar o “dia do orgulho hetero” é o terceiro domingo do mês de dezembro.
O “orgulho hetero”, que nesta manhã já está entre os assuntos mais comentados do Twitter, deve seguir gerando mais polêmicas. Vale a pena resgatar um artigo do professor Túlio Vianna (Faculdade de Direito/UFMG) escrito em 2009. O texto é uma aula sobre por que minorias devem se afirmar e por que a mesma regra não vale para maiorias.
Igualdade e falsas simetrias
Algumas pessoas divulgaram no Twitter que hoje seria o Dia Internacional do Homem. Achei a data sem pé nem cabeça e resolvi consultar a Wikipédia. Descobri que a data não é celebrada hoje, mas no dia 19 de novembro de cada ano.
Parabéns pra nós homens, então, né? Claro que não! Como disse no Twitter:
Maiorias políticas não precisam de “dias”. Dia do homem, dia do branco, dia do orgulho hetero comemoram a conquista de qual direito?
Eu fico impressionado com este tipo de argumento que meu amigo Idelber Avelar muito bem denominou de falsas simetrias. Geralmente quem se vale dele o faz com um certo ar de indignação na defesa irrestrita do direito constitucional à igualdade. Exemplos clássicos:
• “Se o sujeito pode usar uma camisa na qual declara ser ’100% negro, com orgulho’, eu também posso usar uma camisa declarando ser ’100% branco, com orgulho”.
• “Se há uma parada do orgulho gay, é necessário criarmos agora uma parada do orgulho hetero”.
• “A lei Maria da Penha é inconstitucional porque protege a mulher da violência doméstica, mas não protege o homem”.
O velho conceito matemático de igualdade jurídica, anterior, pois, às lições de Aristóteles de que se deve “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”.
Nossa sociedade não é politicamente homogênea, então esta lógica de igualdade com a qual alguns pretendem trabalhar não funciona. Aliás, se nossa sociedade fosse homogênea, nem precisaríamos de um conceito jurídico de igualdade.
Somos uma sociedade desigual, marcada não só por diferenças de classe social (ricos X pobres), mas de etnia (brancos X negros), de gênero (homens X mulheres), de orientação sexual (heteros X homos), de nacionalidade (nacional X estrangeiro) e de centenas de outras. São estas diferenças biológicas, sociais, econômicas, culturais e, na maioria das vezes, a mistura de todas elas que refletem em um tipo de diferença especialmente relevante para o Direito: diferença de expressão política na sociedade.
Assim, toda igualdade jurídica tem que ser pensada a partir de uma perspectiva histórica que reconheça as diferenças políticas existentes entre diversos grupos sociais. Há quem historicamente foi dominado e há quem tenha dominado. Querer dar a estes grupos tratamento idêntico, desprezando a história de opressão de um e a história de luta e resistência de outro é uma aberração jurídica.
Quando um negro usa a camisa “100% negro, com orgulho”, uma leitura histórica da frase traduz: “faço parte de uma etnia que foi oprimida ao longo da história, mas me orgulho dela e luto para que ela tenha os mesmos direitos das demais”. Quando um branco usa a camisa “100% branco, com orgulho” uma leitura histórica da frase traduz: “sou racista”.
Quando os homossexuais fazem sua “parada do orgulho gay”, eles manifestam-se por respeito à sua orientação sexual. Quando os heterossexuais fazem uma “parada do orgulho hetero” eles manifestam sua intolerância por orientações sexuais diversas.
Quando uma mulher apanha de seu marido, ela apanha de séculos de submissão da mulher ao homem. Quando um marido apanha de sua mulher, ele é simplesmente um frouxo. Ambos são vítimas de lesão corporal, mas é mais que razoável que exista uma lei prevendo penas maiores para quem se aproveita de uma cultura histórica de submissão. A lei, aliás, visa justamente coibir esta cultura da submissão de um gênero ao outro.
Pensar igualdade jurídica fora de uma perspectiva histórica resultará inequivocamente em argumentos legitimadores do status quo e da manutenção da submissão de um grupo social a outro.
Como não raras vezes se ouve de piadistas-chavões nos dias 8 de março: há o Dia Internacional da Mulher porque os outros 364 dias do ano são dos homens. Eles falam achando graça, mas é uma triste constatação. E é justamente por isso que é preciso que haja um Dia Internacional das Mulheres e porque não há qualquer necessidade para a existência de um Dia Internacional dos Homens.

Fonte: http://www.planetaosasco.com/oeste/index.php?/2011080318072/Nosso-pais/vereadores-de-sp-aprovam-dia-do-orgulho-hetero-e-acendem-o-debate.html

1 comentários:

Anônimo disse...

Quando se fala na criação do " dia do orgulho hetero ", isoladamente, parece tratar-se de uma coisa normal. Mas quando se envolver nesse processo, todo um contexto histórico, percebemos que não se tem a necessidade da criação deste.

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